Primeiramente, um desagravo. Senta que lá vem história.
Este filme marca o fim de uma era dominada pela visão de Zack Snyder do que deveria ser o Universo DC no cinema. Tudo começou com o bom (e nada mais) O Homem de Aço, que ele dirigiu em 2013. Ao longo de uma década, houve erros e acertos. Snyder não foi o único responsável pelos filmes que vimos, mas não há dúvidas de que o UDC tinha sua marca estampada em cada fotograma.
Agora, acabou. ALELUIA!
Não me leve a mal. No começo, tive muita fé de que Zack Snyder era a pessoa certa para comandar a reinvenção da DC no cinema – naquele 2013, já fazia 5 anos que a Marvel ditava as regras e, no ano anterior, havia explodido cabeças com o primeiro filme dos Vingadores. Snyder vinha de um bom remake de Madrugada dos Mortos (2004) e do grande sucesso de 300 (2006), que lançou seu nome como boa promessa para adaptar outros quadrinhos.
Quando foi lançado, O Homem de Aço subverteu uma série de preceitos inscritos em rocha na mitologia do Superman: em vez de ser alguém que tentava ser o mais normal possível, cuja índole era uma espécie de ideal de ética e bondade, ele se sentia mais alienígena, ou “deus”, pairando (de modo bastante literal) sobre a humanidade; em vez de pai amoroso e bom conselheiro, Jonathan Kent era um “general” castrador; em vez de proteger os civis em seu entorno, Superman foi tão responsável pela destruição de Metrópolis quanto Zod; em vez de preservar a vida acima de tudo, o herói quebrou o pescoço do primeiro vilão que enfrentou.
OK, pode-se argumentar que ele estava enfrentando alguém que se equiparava a ele em poder e até o superava como estrategista, mas, se tem algo que o Superman é sempre capaz de encontrar – nos quadrinhos que o filme dizia adaptar – é um jeito de evitar mortes. Qualquer uma.
Mas, vá lá, estávamos empolgados só de ver o Superman de volta às telas e perdoamos esses disparates. Perdoamos, inclusive, a feiura de todos aqueles filtros escuros, as cores desbotadas, o CGI pavoroso e o desgraçado tom sombrio que ele cismou que os heróis da DC deveriam ostentar - conceito que grande parte do mundo abraçou como a tábua da salvação, repetido em Batman v Superman: A Origem da Justiça (2016) e nas duas versões de Liga da Justiça (2017 e 2021). Curiosamente, os filmes de maior prestígio crítico e popular dessa era – Mulher-Maravilha (2017) e Aquaman (2018) – foram exatamente os que primeiro tentaram se afastar do modus operandi snyderiano. Era óbvio que alguma coisa não estava certa... e que esta coisa era uma pessoa e seu suposto “visionarismo”.
Quando James Gunn - diretor da trilogia dos Guardiões da Galáxia (2014-2023) e do ótimo O Esquadrão Suicida (2021) - foi anunciado como capitão da futura reformulação do UDC, a ser iniciada em 2025, um sopro de alívio atingiu o coração do fã já cansado de tanta câmera lenta e falta de imaginação. Não há garantias contra decepção, é verdade, mas comparar Snyder a Gunn equivale a querer comparar um Neanderthal a Einstein.
Por fim, quero vaticinar que, um dia, Zack Snyder há de ser desmascarado como o maior estelionatário de cinema – alguém a quem são sempre dados muito dinheiro e muita liberdade e que acaba entregando uns filmes sempre muito ruins, cujo fracasso crítico e/ou financeiro ele sempre acaba creditando justamente à falta de dinheiro ou liberdade. Pior: de alguma forma, ele ainda consegue convencer os mesmos estúdios aos quais deu prejuízo a dar-lhe ainda mais dinheiro e liberdade – e, depois, seguir reclamando da falta destes! Picaretice é pouco, o que Snyder faz ainda não tem nome.
"O cinema desse cara fede, ainda bem que vim de máscara!"
Dito isto, Aquaman 2: O Reino Perdido.
Este segundo filme do soberano da Atlântida e fanfarrão-mor da Liga da Justiça (uma caracterização que funciona por conta do imenso carisma do astro Jason Momoa, mas que pouco tem a ver com o personagem nos gibis) é dirigido pelo mesmo James Wan do primeiro. Tem alguns velhos vícios dos filmes de super-heróis: cenas confusas para disfarçar CGI meia-boca, humor inoportuno, vilões fuleiros, mas acaba sendo uma aventura simpática – e não apenas por conta de Momoa, mas, também, porque Patrick Wilson tem seus bons momentos como o Mestre do Oceano, irmão de Aquaman, derrotado e aprisionado ao fim do primeiro filme. A dinâmica entre os irmãos é boba, às vezes, mas, em geral, funciona. Este Aquaman está para a DC como Thor está para a Marvel: é o palhaço residente.
Sendo este um universo condenado, as refilmagens devem ter sido feitas para garantir que não ficassem pontas soltas – tanto que a cena pós-créditos é apenas uma gracinha (nojeirinha?) já vista durante o filme. A aposta no seguro é tamanha que não se veem outros heróis e tudo parece uma reciclagem do primeiro. O vilão é o mesmo Arraia Negra, com a mesma motivação do primeiro filme: vingar o pai. A diferença é que agora ele busca a mesma a coisa estando possuído pelo espírito de um antigo rei maligno. Yahya Abdul-Mateen II está no automático e seu David Kane não tem qualquer profundidade (piada involuntária, desculpe). "Punida" pelos muitos problemas em sua nada privada vida pessoal, Amber Heard entra e sai de cena como Mera e mal é percebida.
Na história, ficou impossível não lembrar da Wakanda de Pantera Negra quando a Atlântida se vê na responsabilidade de revelar-se ao mundo e intervir nas questões ecológicas e climáticas que ameaçam a água e a terra. Tem sua graça ver o Aquaman tendo seu momento "Homem de Ferro" durante uma coletiva de imprensa na ONU.
No fim das contas, por mais que Aquaman 2 possa entreter, pouca gente se animou a ir vê-lo. Demorou demais a sair e, agora, não tem qualquer consequência para os rumos do UDC. Não dá nem para culpar o público, mas espera-se que o fato de que saímos de um primeiro filme bilionário para um segundo com prejuízo acenda algumas luzes amarelas. Passado o encanto gratuito (e bastante prolongado) da novidade, o público deste tipo de filme já não se ilude com pouco. Que DC e Marvel tirem lições dos tropeços.